segunda-feira, 30 de março de 2020

Cá por casa


Estamos há duas semanas em casa e só saí duas vezes para ir ao supermercado, numa corridinha para permanecer afastada das pessoas. Nas três voltinhas que demos pelo quarteirão para respirar um pouco de ar vimos uma ou duas pessoas e zero carros a circular. O pessoal aqui está empenhado, ou não fosse a Maia um dos concelhos com maior número de infetados.

Nestas duas primeiras semanas, a televisão manteve-se nas notícias numa espécie de masoquismo da minha parte. Queria absorver tudo talvez para perceber melhor o desafio que todos temos pela frente. Isso vai mudar. Preciso de respirar...

Apesar de estar a trabalhar de casa, o trabalho ocupa-me muito menos do que as oito horas diárias de momento. Além de haver algumas coisas que só consigo fazer mesmo quando vou ao escritório na minha vez semanal, isto quase que parou, portanto tenho tempo de sobra para me dedicar à casa.

Do monte de coisas que tenho para organizar e destralhar, nestas duas primeiras semanas consegui fazer zero. Com a perspetiva de mais três semanas em teletrabalho, vou mesmo dedicar-me a dar um jeito àquelas coisas que têm tempo, que não são prioritárias.

E vou dedica-me ao self-care. Foram duas semanas com a cabeça cheia de informações tão novas que era necessário organizar, mas estou a sentir-me um pouco assoberbada com tanta notícia, com tanta tristeza e tanta dor.

Três semanas são o tempo ideal para olhar para dentro, ouvir o meu corpo e dar-lhe carinho e amor. Quem sabe implementar novos hábitos e pelo menos aproveitar este modo slow-living que esta desgraça nos proporcionou.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Éramos felizes e não sabíamos


Pela primeira vez na minha vida trouxe o trabalho para casa. Desde terça feira que a empresa decidiu reduzir ao mínimo o pessoal nas instalações, ficando lá só uma pessoa por departamento à vez e ficando as outras em teletrabalho, o que na prática significa que só lá tenho de ir uma vez por semana.

A Bia já está em casa há quase uma semana, agora com a minha companhia a tempo inteiro. E é complicado.

Aquelas pequenas coisas todas que sempre tomamos por garantidas, um simples abraço, um beijinho roubado, ir a uma loja só porque sim, dar um passeio à vontade, fazer um jantar, conviver com outras pessoas... Tudo isso sem ser assombrado por este perigo invisível que não escolhe idade, estatuto social, sexo. Que limita todos os nossos movimentos porque ei, mais vale prevenir...

Hoje como saí para ir para o escritório, aproveitei e fui ao supermercado. Aquele sítio onde já fui centenas de vezes estava hoje fantasmagórico. As lojas das galerias quase todas encerradas... Os corredores quase vazios... Olhei para o carrinho com um nojo que nunca senti antes e mesmo com luvas descartáveis senti-me suja no final das compras. Entrei e saí de boca fechada como se essa atitude me protegesse contra este mal que não vemos mas que está já por todo o lado. Estava desejosa de sair daquele sitio onde tantas vezes fui só para passar tempo. A música ambiente estava muda como que a empurrar-nos para fora daquele que deixa de ser um local de lazer para ser somente uma necessidade.

Voltei à empresa, despejei o desinfetante nas luvas e lavei as mãos. Ainda as sentia sujas porra!!

Voltei a casa, tomei um banho e livrei-me da sujidade do mundo. O mesmo mundo que até agora era lindo e seguro, está de um momento para o outro pejado daquela ameaça invisível infernal.

O banho trouxe-me à memória a notícia que li de tarde sobre a enormidade de mortos em Itália que faz com que camiões militares circulem nas ruas para transportar os caixões para outras localidades que tenham ainda capacidade de tratar das cremações. E chorei. Porque mexeu demais comigo. Porque isto está longe, mas ao mesmo tempo perto demais... E se estivermos a olhar para o nosso futuro próximo?

Como é que é possível tamanha calamidade acontecer em países tão desenvolvidos? Será que o que estamos a fazer nos vai fazer saltar algumas etapas e vamos conseguir não chegar a tão terrível destino? Como é possível uma pessoa viver toda uma vida e morrer sozinho e abandonado por um sistema que de vê obrigado a dar preferência a alguém que tenha mais chances de sobrevivência? Que raio de morte é esta? Desarmei e desabei.

E quem põe juízo na cabeça dos velhotes? Quem vai dizer aos cabeças duras dos meus avós de 90 anos que têm de deixar de ir almoçar fora e de ir ao café e dar a voltinha da praxe e que têm de se aturar dias a fio os dois em casa desafiando a paciência um do outro? Eu que estou super-informada tenho medo do bicho invisível, mas eles parados numa era não-tecnológica, não compreeendem tamanho alarido. Resta-nos picar-lhes os miolos até eles compreenderem a gravidade da situação.

E é isto.

A última coisa que eu queria era sentir medo de ir à rua. Mas hoje senti. E se para controlarmos isto é necessário viajarmos somente do quarto para a sala, para a cozinha e para a varanda, assim seja.

Vai-te embora bicho mau. Já ganhaste! Roubaste-me o que de mais importante eu tinha e não o sabia: a minha liberdade e leveza de espírito.


sábado, 14 de março de 2020

Cá por casa

Se até segunda feira passada o alarmismo do assunto coronavirus me irritava e achava tudo um enorme exagero, a partir de terça comecei a assustar-me verdadeiramente.

Tinhamos viagem marcada para a Disneyland Paris para 8 de abril e acabamos por adiar para setembro. Perdi o dinheiro da viagem, passei 2h30 ao telefone à espera que me atendessem na Disney, mas finamente lá consegui remarcar.

Reforcei as compras. Costumo fazer compras semanais, mas, apesar de não ter açambarcado, fiz compras suficientes para cerca de um mês, tanto para o caso de precisar de ficar de quarenta como para evitar andar metida no supermercado ou shopping. 

A Bia já está em casa, mas eu e o pai não, o que me sossega por ela, mas andamos nós expostos, ainda que a cumprir as recomendações. 

O que é assustador no meio disto tudo é que continua a haver pessoas que acham tudo um grande exagero e que a nós não nos vai acontecer nada. E deixam andar... 

Já eu, olho para Itália ou pelo menos para Espanha e vejo o nosso futuro. Talvez numa menor escala, também somos menos do que eles, claro, mas ainda assim temo que isto ainda mal tenha começado.

E não me acalma em nada saber que não pertenço ao grupo de risco de morte. Não pertenço eu, mas pertencem outros da minha família direta. Tenho mais medo que os meus apanhem do que eu própria.

Acredito que na próxima semana isto vai escalar brutalmente e espero mesmo que seja decretada quarentena obrigatória. Era preferível tentar parar já isto, aprender com os erros dos outros.

Nem sequer quero pensar nos tempos negros que aí virão depois disto tudo...